Gabriel D'Astous e Larissa Parker
(portuguese version)
Um Mundo em Crise
Ao mesmo tempo em que o mundo continua a combater a pandemia de Covid-19, políticos e elaboradores de políticas começaram a voltar seu pensamento para a multidão de crises ambientais que a humanidade está enfrentando, e, em particular, a mudança climática. No início de maio, o Presidente Biden sediou uma cúpula climática que viu os países aumentarem a ambição de suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. Entretanto, ainda não existe um caminho claro para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Além da crise climática, a humanidade também terá de diminuir a perda maciça de biodiversidade, revertendo o que está sendo chamado de sexta extinção em massa. Além da crise climática, nós poderíamos facilmente acrescentar a poluição por plástico, o desmatamento, a poluição do ar e da água, bem como a insegurança alimentar e da água à lista de crises ambientais que ameaçam o globo. Embora existam necessariamente inumeráveis causas e soluções para todas essas crises ambientais, não é segredo que a atividade humana nos últimos séculos é o fator que mais contribui para elas.
O Relacionamento entre a Lei e a Degradação
Nossos sistemas jurídicos exercem um papel importante na determinação de como nós interagimos uns com os outros e com o mundo ao nosso redor. Particularmente, embora as leis ambientais tenham dado origem a progressos em uma série de importantes áreas, elas também têm sua raiz em causas proeminentes de degradação ambiental, como o consumo excessivo de recursos e regimes altamente discricionários.[1] Assim, a forma como o direito ambiental é concebido e implantado tem um impacto direto no ambiente. O mesmo ocorre em outras áreas do direito como o direito imobiliário, que define o que é e o que não é imóvel e o que o proprietário de um imóvel pode ou não pode fazer com seu imóvel, o direito minerário, o direito marítimo, e o direito comercial. De fato, o direito ambiental provou ser insuficiente para proteger de forma adequada a Terra por uma série de razões; entre elas, suas finalidades e lógica antropocêntricas, bem como sua tendência a compartimentar as questões ambientais.
Rumo ao Direito Ecológico
Então, como seria o horizonte jurídico em um mundo em que nós tentássemos solucionar todas essas crises ambientais de forma séria? O campo emergente do direito ecológico tenta responder exatamente esta questão. O direito ecológico é diferente do direito ambiental porque, como explicaremos, ele não busca alterar o direito ambiental, mas propõe lentes e princípios que deveriam estar na base de todas as áreas do direito. O reconhecimento da primazia ecológica e dos limites ecológicos é fundamental para o direito ecológico. Como escreve Geoffrey Garver, as fronteiras planetárias de espaço operacional seguro para a humanidade fornece os fundamentos científicos e éticos para um novo estado de direito ecológico.[2] Assim, como declarado no Manifesto de Oslo da ELGA, o direito ecológico “exige que as atividades e aspirações humanas sejam determinadas pela necessidade de proteger a integridade de sistemas ecológicos. A integridade ecológica se torna uma pré-condição para as aspirações humanas e um princípio fundamental do direito.”
Outra acadêmica, Carla Sbert, apresentou três princípios interconectados no âmago do direito ecológico.[3] Primeiro, o ecocentrismo reconhece a interconectividade de todos os seres e sua igualdade. Segundo, a primazia ecológica garante que a atividade humana não danifique de forma irreparável a ecologia. Isso engloba respeitar as fronteiras planetárias, limitar o consumo de materiais e de energia para respeitar os limites ecológicos, bem como restaurar os ecossistemas. Terceiro, a justiça ecológica exige que a igualdade intergeracional, intrageracional e entre as espécies seja parte de nossas leis. Acrescentaríamos que o respeito pelos direitos indígenas e a autodeterminação também são parte importante da justiça ecológica. Sobretudo, o direito ecológico busca “internalizar as condições de vida natural da existência humana e, dessa maneira, informa todo o espectro das áreas do direito como as constituições, os direitos humanos, o direito de propriedade, o direito empresarial e a soberania dos estados”.[4]
Em outras palavras, como as nossas leis e políticas devem se transformar quando examinadas através desses princípios do direito ecológico? Como seriam nossos sistemas jurídicos se nós reconhecêssemos a vida de um animal ou de um ecossistema como sendo tão valiosa como um ser humano? Os governos provinciais continuariam a dar sinal verde para o desmatamento das antigas florestas nativas que sustentam os povos caribus no Québec e na Columbia Britânica? Eles continuariam a aprovar projetos intensivos de combustíveis fósseis sem considerar os limites ecológicos da Terra ou o impacto da mudança climática na igualdade intergeracional e intrageracional? As comunidades raciais, indígenas e pobres suportariam desproporcionalmente o peso da poluição tóxica em um mundo assim? Os princípios de equidade entre o Norte Global e o Sul Global podem mudar o estado do direito comercial internacional, se forem incorporados à lei?
Apresentando Nosso Projeto
Membros do grupo de pesquisa de Lei e Governança da Liderança para o Ecozóico (McGill University) lançaram recentemente um projeto para nos ajudar a ver nosso mundo através das lentes do direito ecológico. Sob a direção de Geoffrey Garver, várias equipes no mundo inteiro se comprometeram a estudar uma série de estudos de caso de direito ecológico. Cada um desses estudos de caso foca em um projeto de desenvolvimento. Em seguida, ele identifica todas as leis, ambientais ou não, que levaram à aprovação desse projeto. Por fim, cada equipe tentará reimaginar como seriam essas leis se elas incorporassem princípios do direito ecológico. Esses estudos de caso demonstrarão como o direito ecológico daria forma não apenas ao direito ambiental, mas a todas as áreas do direito. Além disso, o projeto destacará o distanciamento entre nossos sistemas jurídicos atuais e as realidades ecológicas da Terra.
O projeto atual consiste de cinco estudos de caso que focarão na gestão da vida selvagem em Vermont, o impacto do complexo de represas e canais do Canal de São Lourenço em Kahnawake, no Canadá, a degradação ambiental do Rio Etiópia, na Nigéria, o impacto da lei do Alto Mar sobre a biodiversidade marítima e a mina de Anitápolis[AC1] no Brasil. Se você estiver interessado em saber mais sobre esse projeto, a L4E organizará um webinar em 15 de junho sobre os vários estudos de caso. Vide mais informações no folheto abaixo.
Outras leituras sobre Direito Ecológico:
Kirsten Anker et al, eds. From Environmental to Ecological Law (Routledge, 2020).
Carla Sbert, The Lens of Ecological Law: A look at mining (Edward Elgar Publishing, 2020).
Klaus Bosselmann & Prue Taylor, Ecological Approaches to Environmental Law (Edward Elgar Publishing, 2017).
Geoffrey Garver, Ecological Law and the Planetary Crisis A Legal Guide for Harmony on Earth (1ª edição, Routledge, 2021).
“From Environmental to Ecological Law: The future lies ahead” (2019) 43:3 Vt L Rev 1.
[1] Vide, em geral, David Richard Boyd, Unnatural Law: Rethinking Canadian Environmental Law and Policy (UBC press, 2003). [2] Geoffrey Garver, “The rule of ecological law: The legal complement to degrowth economics” (2013) 5:1 Sustainability 316. [3] Carla Sbert, “El Salvador’s Mining Ban and Mining in Ontario’s Ring of Fire from the Lens of Ecological Law” (2019) 43:3 Vt L Rev 517. [4] Vide Kirsten Anker et al, eds. From Environmental to Ecological Law (Routledge, 2020) no prefácio.
[AC1]Typo in source, it should indeed say Anitápolis, not Anatópolis.
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